domingo, 2 de novembro de 2014

Era uma vez...

Era uma vez um peixinho. Um peixinho branquinho, daqueles com uma escama tão fina e delicada que quase lhe conseguimos distinguir toda a anatomia.
Esse peixinho tinha um sonho. Um sonho maior do que toda a extensão do oceano. Sonhava conhecer outros mares, outros peixes, outras comunidades piscícolas. Queria largar o coral onde vivia porque este já não lhe servia. Via-se preso em águas paradas. Já não suportava sequer a coloração do coral onde sempre vivera. Até a temperatura da água o parecia angustiar. 
Muniu a sua cabecinha de objetivos e partiu em direção à linha que a mãe peixe dizia ter sido a terra a traçar com eyeliner, cansada dos olhares indiscretos do céu.
O peixinho partiu, sem se despedir de ninguém. Deixando para trás os coraçõezinhos de um inteiro cardume, em sobressalto.
Cada milha de oceano que palmilhava, mais encantado e preenchido se sentia. Eram cores, texturas,  festas, aventuras mil. O peixinho vivia radiante. 
No entanto, e de mãos dadas à frivolidade do momento, este encanto era quebrado por pequenas ou maiores ondas tóxicas. Este peixinho que tinha um sonho, não equacionara à partida que provavelmente iria encontrar peixinhos inofensivos mas também muitos peixinhos sedentos de peixinho branquinho e inocente. Não sabia pois, como lidar com essa situação. Toda a sua vida a mãe peixe lhe contara que havia peixinhos assim, no entanto, pequeno peixinho branquinho sempre achara que a mãe peixe exagerava nas suas descrições e, apesar de se fingir muito atento, não ligava aos conselhos de sua mamã. 
Chegou a maré em que começou a achar-se frio e desconfortável. A solidão havia assolado o seu agitado coração. Sentia falta da mamã peixe, dos seus inúmeros irmãozinhos, até o coral lhe parecia agora maior. Talvez fosse da distância. As aventuras e os desafios que tanto ambicionara pareciam-lhe agora insignificantes perante a possibilidade de ficar só para sempre. 
Em que continente estaria? A que distância estaria do seu coral? Seria à mesma distância de mais uma onda? Ou à distância interplanetária de Mercúrio a Saturno? 
Decidiu voltar para trás. Tomara aquela decisão no segundo em que percebera que o coral era a sua casa e que não podia mais viver sem a sua família. Nadou desesperadamente em direção a casa mas logo pensou: - Se a Terra é redonda e percorri já enorme caminho, talvez me baste um pequeno esforço e logo estou de volta a casa. Na sua cabecinha, a circularidade da Terra era a resposta ao seu desassossego.
Voltou à direção em que seguia e nadou, nadou, nadou, sem prestar sequer atenção às maravilhas que o oceano ainda tinha para lhe oferecer. Até que, num leve sopro de brisa marítima, o peixinho branquinho ouviu chamarem por si. Respirou de alívio. 
Pode dizer-se que o peixinho branquinho perdeu o resto da viagem, mas no seu coraçãozinho sabia ter ganho o sentido de família e a sua importância.

Alice