sábado, 23 de dezembro de 2017

Para hoje... e para todos os dias!

Hoje é dia de casa, dia de família. Dia de cheiro, de calor, de conforto e aconchego. Dia de manta. Dia de sofá e de cházinho. Dia maravilhoso, este.
Já ontem ao acordar, o sentia chegar. O nevoeiro da madrugada deixava antever a beleza do dia que estava para vir. Ao sair, já lhe sentia a falta. Temia perdê-lo na distância que nos separa. Ao regressar, encontrei as possibilidades que tinha para me mostrar. Dia maravilhoso, este.
Vou montar a árvore. Engalanar a casa com o brilho das luzes brancas que ela me oferece. Brilho que ela me permite guardar nos olhos o ano inteiro. Pendurar as decorações, umas gastas outras ainda jovens e cintilantes. Todas em plena comunhão de sentidos. Todas representando um ser, ou um conjunto de seres, um momento, uma memória, uma história. Não posso esquecer as meias. Duas, por favor. Oxalá o Pai Natal se lembre de nós e as deixe bem recheadas de amor, compreensão, carinho, ternura, tolerância, altruísmo, solidariedade, amor ao próximo, sentido de união, presença e pertença... E se ainda lhe sobrar um fiozinho de lã desejoso de trabalho, poderá ainda deixar-nos uma máquina capaz de proporcionar a clarividência necessária às almas mais confusas. Todos temos esses dias.
Cheira-me a laranja e a canela. Está na hora! Até já, vou receber o Natal em casa.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

De quando nos surpreendemos

Hoje estou em modo Joker. Apetece-me muito rir, mas não pelos melhores motivos. Apetece-me disparatar, gozar, apontar o dedo, escarnir e outras coisas más que geralmente reprovo. Mas este é o meu momento de glória. É quase assim um momento de enorme esclarecimento e lucidez e por isso vou gozar desta consagração "à grande e à francesa". Que me desculpe toda a gente, mas tem de ser.

Hoje bati com os olhos num livro. Um livro que eu queria muito ler mas o orgulho não me permitia fazê-lo. Contudo, hoje foi o dia em que tudo aconteceu. Estava o dito enlevado sobre um pedestal  quase invisível, imponente, orgulhoso de si, tal como um bom livro deve estar. Movida pela curiosidade [que muitas vezes me lixa] pedi para o ler. Percorri o edifício em direção à minha sala de olhos cravados naquele texto. Tentando sorver todas as palavras, todas as ações, esperando ansiosa por um enredo seguido de um desfecho que me arrebatasse. Estava disposta a tombar de nariz no chão só para poder usufruir daquele momento único que me faz quase ter um orgasmo literário. Mas esse momento não chegou. Voltei a ler a última página, e a penúltima e a antepenúltima, não fosse ter-me escapado o essencial pelo caminho. E nada. Mesmo nada. Apenas um enredo assim-assim, meia leca e treca, sem emoção, sem pica, sem twist, sem riso, sem surpresa. É isso... sem surpresa. Só assim... uma cena banal. Mais uma história do tempo do arroz doce já frio. 
Fiquei triste. E desiludida. Ainda andei à procura do que tinha perdido, mas depois descobri que o que procurava não estava lá. É pena.
Mas ao mesmo tempo, dá-me um gozo tão grande descobrir isso. Ai que grande gozo me dá. Fico assim com um sorriso maior que o do Joker e a maldade sobe-me à menina dos olhos. Maldade daquela boa, daquela que me fez sofrer muito mas que aprendi a usar para crescer.
Feliz Halloween para tod@s!

De como estamos

Perguntam-me muitas vezes como estou. Demasiadas vezes. E de quase todas essas vezes, não me apetece responder. Não porque esteja mal. Talvez até esteja muito bem. Simplesmente não me apetece responder. Estou cansada dessa pergunta. Acho-a gasta e sem personalidade, sem conteúdo. Sem verdadeiro interesse de saber como está o outro. É quase um proform [veem como estou básica e direta?], uma cena instituída e que, por hábito ou preguiça utilizamos já sem pensar. Por isso, é muito provável que durante uns tempos me escuse a perguntar como estão, se foram ou já voltaram. Tentarei ser mais direta (esforço brutal à minha natureza complicada mas já cansada e sem paciência para floreados) e concisa. Não me levem a mal nem me concluam bruta. Simplesmente não me apetece perder assim muito tempo com... cenas, quadros e pinturas. 
Então, quando receberem mensagens, emails ou outras comunicações aqui da pessoa, estejam já a contar com a pergunta que realmente interessa, sim? Não fiquem pasmados ou assustados. Sou eu mesma, mas mais rápida.

sábado, 21 de outubro de 2017

Do outro lado

Ontem foi dia de passeio. Foi dia de visita. Dia de abraçar a minha outra família. Aquela que ficou do meu outro lado. Aquela que continua lá, do outro lado da minha margem, do lado de lá do manto de nevoeiro. Aquele lado continua a  ser o meu tudo, o meu todo. O meu lado bom. O meu lado sarado. O lado pacificado. O lado sossegado. 
Estava tudo igual mas já nada era igual.
Lá, continuo a ser eu. Mas apesar de já não o ser, sou agora parte da família. Partilho laços e histórias. Desfio o fio da memória e teço as peças que trago há muito aqui guardadas.
Inaugurámos um novo lugar - o da gratidão e do afeto profundo. Demos lugar ao reconhecimento e ao carinho que sempre existiu mas raramente havia sido tornado vocábulo. Foi muito bom rever o meu outro lado - o meu Sol da Escandinávia, os girassóis do meu prado, as extensões plenas do meu ser. Mas no correr dessa aventura, agitaram-se-me as águas, correram-se-me os rios e agigantaram-se as montanhas. Voltei a viver o meu tempo durante algum tempo. Não o tempo que eu desejaria, que eu preciso, mas o tempo que me foi concedido pelo Tempo.
Resta-me estar grata ao Tempo por me ter dado tempo de chegar ao meu outro lado e deixado cuidar mais um bocadinho por aqueles que me são tudo.



sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Catorze anos

Catorze anos nos separam.
Catorze anos depois regresso ao lugar onde tudo começou...
Não deixa de ser curioso o mesmo friozinho na barriga, a mesma avalanche de expectativas, os mesmos receios... Enfim. Nunca mais cresço. 
E catorze anos depois, continuo a mesma menina que há catorze anos atrás pisou o solo do AEVD.

Vai ser bonito!


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Spot

Quando precisarem muito, mas mesmo muito de mim e não me conseguirem encontrar, estou aqui:




Sofás... e livros

Eram dois escritores. Ele, afamadíssimo. Ela, completamente anónima. Estavam sentados num sofá. Ele lia um esboço que ela escrevinhara. Ela não tirava os olhos dele enquanto o fazia. Não sei se o admirava, se estava apenas expectante em relação ao seu parecer.
Ambos apaixonados um pelo outro. E pela escrita.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Chrysanthemum

Nesta demanda de procurar ter uma vida mais preenchida, que valha a pena ser vivida, mais feliz em última instância, tenho dado por mim na feira. É sabido que eu adoro ir à feira - ver aquela gente toda amontoada e em grandes alaridos, cheia de emigrantes saudosos (ou emproados!), preenchida em excesso de vida e cor provoca em mim uma sensação de bem estar e conforto que não consigo justificar. Adiante... Hoje, eu (freguesa assumidamente consumidora de flores) encontrei numa das bancas aquelas a que eu em pequena chamava "flores de papel". Não são nada flores de papel, são crisântemos - mas pela sua textura mais dura e resistente, pareciam-me feitas de papel velho, seco e duro. Enfim... tolices de uma infância sem nada pra fazer...
Assim que lhes pousei a vista, soube que tinha de as trazer. Apressei-me a escolher o molhe, sem sequer perguntar quanto custavam. Sabia apenas que tinham de ser minhas. Não porque fossem as mais bonitas ou perfumadas (não eram!), apenas porque me fazia falta há já muitos anos fazer uma coisa que eu fazia quando as encontrava no campo da minha avó - passar-lhes os dedos, como que a fazer um miminho, a "cuca" - o carinho - não interessa. O mais importante é que toda eu ansiava poder repetir aquele ritual. Uma ânsia inexplicável por voltar a sentir uma das sensações mais maravilhosas da minha infância. 
Aquele encontro dilacerou-me, mas ao mesmo tempo contemplou-me com a paz e a serenidade que eu vivia. Contudo, não foi embora sem me deixar a saudade. Saudade da minha vida de outrora, que apesar de ser mínima e cheia de ar, era maravilhosa. Saudade da minha avó. Saudade das horas de contemplação e enamoramento pelas flores dela. Muito eu gostava de fazer cuquinha nas flores - que doença! 
Hoje o raio da doença voltou, com a força, a brutalidade e o esplendor dos anos de abstinência. 
Enquanto pequena, toda a minha existência se circunscreveu à minha avó, à casa dela e a todos os afazeres que a preenchiam. Daí que agora, tantos anos mais tarde, sinta este ardor e este pulsar dentro de mim para reviver, ressentir e reescrever toda aquela vida em mim.
Sinto falta de mim. Não daquela menina tímida e insegura que eu era, mas da menina dócil, sonhadora, crente e muito ingénua que fui. Por incrível que pareça, e porque me esforço por ser diferente todos os dias (outras linhas do meu caminho se entrelaçaram), sinto falta de mim, de quem eu era. Sou diferente porque me obrigaram a ser diferente, não porque eu goste ou prefira ser assim. Não gosto e por isso sinto falta de mim. Restam-me as lembranças, as doces memórias adoçadas com chocolate "Taxi" e polvilhadas de ternura.
Um dia, quando for mais velha e uma eremita de verdade, volto a encontrar a menina que cresceu com a avó, no meio de muitas panelas, linhas, agulhas e flores de papel. Tenho a certeza que sim.
Por agora, deixo-vos com um ramo deles, os crisântemos.



quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Assim em jeito de prece...

Têm sido dias calmos, agradavelmente calmos, doces, com cheiro a caramelo e pão doce. Dias muito bons, estes que eu tenho vivido. Contudo, a calmaria acaba inevitavelmente por ter de dar lugar à ventania e esta, esperamos nós, cede novamente o seu lugar à primeira. É de paz e guerra que a vida é feita.
Por isso, e porque compreendo e respeito as marés, as fases da lua, tento aceitar esta indispensável inconstância, pedindo muito para ser junco ao pé do rio, que dobra, curva e bamboleia perante as fortes rajadas e que, mesmo estando prestes a desistir, não se curva até à agua e não quebra, não se deixa ir com a correnteza.
Quero muito ser junco.
Perante a ameaça, apenas peço no meu íntimo, ao meu coração e à minha alma de pássaro, que não cedam, que não quebrem, se mantenham fortes e bravos. 
Então vou pedindo assim em jeito de prece, que as estrelas me deem a coragem para nunca ceder, a bravura para aceitar aquilo que não posso mudar, a inteligência de saber quando partir, a força para não olhar para trás e seguir. Seguir. 
Acima de tudo, a firmeza para continuar, sabendo que, mesmo sendo difícil, mesmo me sentindo muitas vezes só, aquele é o meu caminho, não há nenhum outro. Como me disse a E. e eu não me esqueci, não tive outra escolha. Para haver possibilidade de escolha, teria de ter tido pelo menos duas opções. E essas, eu não as tinha. Pode não parecer, querida E., mas apesar de me quitar muda, quero que saibas que apaziguaste um bocadinho o meu coração.
Agora, em jeito de prece, que eu tenha a força para seguir firme, forte, coesa. Que eu saiba seguir sempre o caminho da luz e do bem, o meu caminho. Que eu tenha a perspicácia de me manter longe de quem nada me acrescenta. Que eu tenha a resistência e a tenacidade dos guerreiros de asa branca. Que eu me saiba escutar pacientemente. Que eu me saiba ver e aceitar. Que eu saiba ver e aceitar quem me faz bem. Que eu seja junco. E pássaro. E luz.

terça-feira, 18 de julho de 2017

Mudanças

Hoje consegui arrancar mais uma raiz. Uma daquelas bem grossas, fundas e fundidas em nós. De tão funda e fecunda, levei... hum... sete anos (?) a arrancá-la. Sete anos, é verdade. Até dá vontade de rir de tão ridícula que às vezes sou. Mas hoje, ahhhhh, hoje consegui. Peguei com grande motivação, algumas ganas e muita força de vontade em tudo quanto me lembrava aqueles espaços e momentos, aquelas pessoas, os sonhos que teci e o desgosto que daí adveio, e que fiz questão de ir bordando com todo o amor, ilusão e estupidez ao longo destes anos todos, e atirei-os com grande fúria para o ecoponto. Queria muito tê-los atirado pra dentro do caixote do lixo rançoso que tinha ao lado, mas como sou uma gaja com elevada consciência ecológica, lá cedi à dita e mandei-os para o ecoponto. O pior disto tudo é que por mil ecopontos que encontre, milhares de milhões de caixotes do lixo ranhosos me cruze, ainda cá estão todos dentro, os inocentes e os culpados (onde me incluo). Ainda assim, as provas físicas (dos sonhos, da desmesurada alegria e da trágica desilusão), essas já foram. Essas, que nos dias em que não me lembrava de nada, faziam os meus olhos lembrar. E esses, esses nojentos, faziam o coração lembrar, outra e outra e outra vez.
Estou contente, porque agora sei que já só me falta vencer os dias em que tudo me faz lembrar dos cheiros, dos sabores, das vozes, dos lugares, das risadas, dos abraços (que nunca mais souberam da mesma maneira), da cumplicidade... Desses, infelizmente, acho que nem mais sete anos me farão esquecer. Valem-me as amargas memórias pra conseguir ir recalcando as doces.
Mas vá, estamos no verão, tempo de sol, de praia e de gelados e hoje até estou bem disposta. E consegui atirar tudo pró ecoponto. Viva a mim!

sábado, 8 de julho de 2017

Dias...

A vida é feita de muitas coisas. Dias bons, dias maus, dias assim-assim. São os dias assim-assim que me preocupam. Estes dias que não são carne nem peixe e dos quais não guardamos nada. São os dias rotineiros, os dias que nos aborrecem e nos levam a questionar a vida que temos. Para estes dias assim-assim tenho tentado desenvolver uma técnica. a estratégia utilizada é a de traçar objetivos, pelo menos um, para cada dia. Assim, procuro transformar os dias assim-assim em dias melhores. Dias mais ou menos úteis, positivos, pacíficos.
Continuo na Escandinávia. Aprendi a gostar de cá estar. Aprendi que a Escandinávia tem muito para oferecer, tem muito para me ensinar e está disposta a dar-mo, se eu deixar. Começo a deixar. Começo a deixar a Escandinávia entrar-me no peito e embalar-me com a sua voz doce e melódica e os seus cânticos galegos. Começo a ver a Escandinávia com outros olhos também, olhos de gratidão, de apego, de carinho. Já sei utilizar alguns dos vocábulos próprios e já consigo compreender aquilo que me dizem no país que fica a um quilómetro do meu. Aprendi, sobretudo, que se deixarmos a vida entrar, tudo fica mais fácil e mais bonito.
Agora, tento explicar à Escandinávia que apesar de ser dela, não posso deixar de ser de mim. Não posso esquecer-me de quem sou e abraçar tudo o que me quer dar. Passei muitos e longos meses de uma excruciante dor na prática do desapego e não pretendo largar a mão de mim e daquilo que decidi que seria a partir daí. O desapego foi-me imposto, daí a dureza da condição. No entanto, e fazendo um review, foi esta que me permitiu desenvolver capacidades de autonomia incríveis, poder de decisão (que era praticamente nulo), ter mais autoestima, independência e autovalorização.
O saldo foi muito positivo, portanto. 
Há que continuar nessa linha. Sinto que estou bem e que vou ficar bem. Mesmo estando na Escandinávia, sei que tenho muitos e valiosos amigos, que me apoiam, me aconselham e nunca me deixam sozinha. E esse é o bem mais precioso que agora tenho.
Um dia recupero tudo aquilo que perdi. Neste momento, os objetivos são outros e todos são merecedores da minha atenção.

Alice.

sábado, 11 de março de 2017

Das minhas coisas boas

Acordar na minha casa. Acordar na minha cama. Virar e revirar na cama permitindo-me prolongar aquele momento de indecisão. Depois, levantar-me e preparar o meu café placidamente enquanto me arrasto pela casa inalando todos os aromas que a caracterizam, sorvendo todos os doces raios de sol que timidamente se vão apresentando. Que saudade. Que falta, muito amarga esta.
Lá, na Escandinávia, são outros os cheiros, é outro o sol que teima em se apresentar de costas pra mim, lá naquela Escandinávia virada a norte. Lá, as horas são outras, a correria é grande e a preguiça, a desvontade, essas são maiores ainda. Lá, na Escandinávia.
Quando estou na minha casa volto a ser eu. Volto a fazer, volto a querer. Ocupo-me em construir, nunca em destruir, como acontece na Escandinávia. Falo, planeio, acrescento, cresço. Cresço muito e quase toco nas nuvens de tão grande que fico. Aqui, na minha casa.
Já pedi fervorosamente ao meu sol que venha viver para a Escandinávia, a ver se deixo de ser pequenina e birrenta e volto a construir, a planear e a criar, tal como eu sei que sei ser. Tal como me pedem muito que eu volte a ser. 

Beijinhos cheios de sol,
aqui, da minha casa.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Dela...

Já há alguns meses que não vinha até este espaço. Não vinha porque simplesmente não tenho nada de bom para te contar, para "te" mostrar. Não tinha e continuo a não ter. Têm sido meses muito duros, meses de muitas perdas, perdas significativas, meses em que às vezes sinto que vou morrer de tristeza ou apenas ficar louca de vez. Assim, sem dramas, nem floreados. A verdade pura. Não me tem apetecido escrever nem ler, ou trabalhar sequer. Têm sido meses de uma luta diária para não cair num poço escuro, frio e fundo, um poço para onde escorrego muitas vezes, mas do qual ainda tenho conseguido sair. Os miúdos acabam sempre por me salvar, apesar de saber que não tenho sido nem de perto nem de longe, a pessoa que eles merecem que eu seja. E essa é mais uma das culpas que me consome diariamente.
A maior parte dos dias tenho a certeza que não vou conseguir. Não vou ser capaz. Ponto. Mas depois há aqueles em que, apesar de me sentir uma choninhas, sei que vou conseguir, sei que me vou safar, sei que, apesar de tudo, ainda sou forte e um dia destes vou conseguir levantar a cabeça e seguir, sem rancores, nem amarguras, nem tristeza. Muito menos me vou voltar a sentir só. Um dia...

Amanhã faz um mês que fiquei sem ela. Não consigo ainda falar do assunto. Não consigo dizer o nome dela. Não consigo ouvi-lo. Não consigo aceitar. Viro costas e faço de conta que não aconteceu, como sempre. Tem sido muito duro aceitar. Muito duro. Foi um golpe demasiado profundo numa carapaça já muito danificada.
Já há muito que ela estava doente. Passou o Natal no Hospital. Passou o Ano Novo no Hospital. E eu lá sempre, ao pé dela. A vê-la sucumbir de dia para dia. A chorar pra dentro, com vergonha dos outros. E ela lá, sem se dar conta de nada. Quase abandonada à sua sorte, ao seu fado. Num mundo que já não era o nosso, num mundinho só dela. Um mundo no qual o meu avô ainda estava vivo, de volta das suas inúmeras mulheres e ela sempre à espera que ele voltasse para casa. Num mundinho onde ela ainda era nova e ele ainda era novo. Um mundinho do qual, apesar de serem novos, eu fazia parte. Ela ainda sabia o meu nome e ainda me fazia tranças no cabelo antes de sair pra escola. Eu ainda vivia na casa dela e ela ainda me enchia o prato. Eu ensinava-a a escrever o nome e ela ensinava-me a rezar. Eu ouvia fado e aprendia a costurar. Um mundinho onde eu lhe dizia que um dia, a minha filha iria ter o nome dela. Será que ela ainda se lembrava disso? Um mundinho muito bom pra ela. E pra mim. Um mundinho, uma história, um ser que eu não vou ver mais, não vou ouvir mais.
Tem sido duro, muito duro. Não sei que mais dizer... Não encontro palavras bonitas ou preciosas para falar dela nem abordar o assunto. Não sou capaz. Continuo muda desde o dia em que ligaram a dar a triste notícia. Nestas alturas, o perto transforma-se no longe e parece que vivemos noutro planeta. Nunca mais chegamos a lado nenhum, nunca mais vemos, nunca mais abraçamos, nunca mais rimos. Nunca mais...
E assim estamos. Tristes, mudas, seráficas. Muito tristes, muito mudas, muito seráficas. Muito.