segunda-feira, 22 de abril de 2019

História [pouco] encantada

Hoje vou contar-vos uma história que muito pouca gente conhece mas que, precisamente no dia de hoje, me parece importante ser contada.
Guardei-a durante muito tempo por vergonha. Por medo. De juízos e recriminações que outrora eu teria feito também.
De 2010 a 2017 trabalhei muito. Que nem uma louca. Quase exclusivamente pelo prazer de me sentir útil. De agradar a quem nunca mereceu. Trabalhei praticamente de graça, sempre na esperança de que o meu esforço fosse reconhecido. "Vai ser desta. É com mais este esforço que eu me assumo e que reconhecem o meu valor. O valor do meu trabalho." 
A verdade é que, e sendo completamente honesta, esse reconhecimento era-me prestado, sim, mas na sombra. Por trás do pano. Perante as luzes do palco, eu tornava-me invisível. Eu e a minha autoestima. Já para não falar da minha conta bancária. Essa jamais viu reconhecidas as milhares de horas de trabalho que dediquei a projetos e pessoas sem futuro.
A juntar a esta realidade, havia toda a minha outra realidade profissional. Aquela que me apaixonava, se não de igual forma, mais ainda. Aquela realidade que exigia que eu estivesse a 100% todos os dias. 
No rol do encantamento que sentia por toda aquela nova vida, e porque sempre fui demasiado exigente comigo, e porque desde cedo havia adquirido a noção de que nada sabia, matriculei-me no mestrado. Um mestrado feito em regime pós-laboral e com uma carga horária de 750 horas letivas no primeiro ano e 700 mistas (letivas e projeto) no segundo ano.
Claro está que me dediquei de corpo e alma a este novo desafio, até porque me sentia tão feliz, tão entendida, tão compreendida, tão capaz, que dei tudo o que tinha [e o que não tinha]. Desafio este a somar aos anteriores, à minha atividade profissional, a um projeto absurdo a que estupidamente anuí e a centenas de horas de viagens Lisboa-Porto-Lisboa.
Nunca tive empregada, apoio familiar ou financeiro. 
Acordava todos os dias às 04:00 da manhã para conseguir estudar, pesquisar, preparar aulas, trabalhar no dito projeto. Todos os dias, durante anos. Sete, para ser mais precisa. Dois deles de forma muito intensa e exigente.
Fácil concluir este capítulo, não?
Este preâmbulo que facilmente se transformou em vários e longos capítulos levou a um desfecho muito previsível aos olhos de todos menos aos meus.
Comecei a falhar em todas as versões desta história.
Falhei prazos, falhei conteúdos, falhei na esfera profissional e pessoal. À grande.
Vivia para o trabalho e porque este estava a consumir a minha vida e a roubar-me a essência, tornei-me numa pessoa stressada, frustrada, rabugenta, revoltada. 
Adoeci. O meu corpo estava sempre cansado, dorido, avariado. Mas só percebi o tamanho do estrago quando a minha cabeça começou a falhar. Já não aguentava mais o excesso de trabalho e privação de sono que sentia há anos. 
A minha cabeça, minha maior arma e ferramenta desde sempre, estava doente. 
Só quando ela me começou a falhar é que entendi que tinha de parar. E depressa.
Entupida de medicamentos, tive de largar tudo o que fazia e dedicar-me a mim. Agora a 200% se não queria ficar cheché para sempre.
Demorei ainda algum tempo a perceber isto. Esta cena de olhar pra mim e pensar mais em mim. Demorei muito tempo ainda, coisa que também não facilitou o processo de tratamento. Pelo caminho, ainda tive de viver o pior momento da minha ainda curta vida. Perdi a minha alma gémea, o meu amor puro e doce. O ser que me ensinou A Ser. E desse embate, sei, jamais recuperarei.
Valeram-me as pessoas que me gostam. O reduzido núcleo familiar e os muitos amigos que fui plantando e colhendo por aí. Caso contrário, acho que teria afundado e nunca mais regressaria.
Continuo a cuidar da minha cabeça. Valorizo muito mais a minha atividade cerebral e todos os dias agradeço aos meus neurotransmissores não terem desistido de mim. 
Acho que a forma como recebi o diagnóstico foi como se me tivessem dito que tinha cancro. Primeiro rejeitei a realidade, resisti, debati-me contra ela, depois aceitei-a e lutei. Muito. Continuo a lutar muito para voltar a ser quem era. 
Há dias em que me sinto muito cansada. Não tenho vontade de fazer nada, muito menos de pensar. Há dias em que me dá muito trabalho. Outros há em que me esforço e vislumbro por instantes a miúda alegre e sonhadora de antes.
Sei que preciso continuar a aprender a gostar de mim e a cuidar de mim. Muito. Sei que se não me esquecer disto, irei conseguir. E todo este caminho terá feito sentido. Sei.

Todo este relambório para quê? Para dizer que hoje concluí que era importante assumir que todos nós temos as nossas falhas, erros, ódios, frustrações, males. 
Quero acima de tudo dizer que, por mais longo e frio que seja o inverno, a primavera sempre chega. Não podemos é esquecer de cuidar do nosso jardim, mesmo quando chove e venta e a terra parece infértil, morta. 
Jamais desistir.

*Meu amor, minha amiga muito antiga, este texto é por ti e para ti.
Preciso que te lembres que tens de gostar de ti. O mundo não para de girar se tu parares. As tuas flores jamais murcharão se lá não estiveres para as regar porque já as ensinaste a Ser.
Eu, e eles precisamos todos que te lembres de ti e de cuidar de ti. 
Não faz mal ter medo. Podes ter medo. Podes chorar. Podes ceder. Só por um bocadinho. Só por agora, podes ser junco que dobra, mas jamais parte. 
Logo o sol volta a brilhar, logo o rio se enche e toda tu voltas a ser azul, e vento, e calor e pé descalço no chão. Logo, logo.
Jamais desistir.




sábado, 20 de abril de 2019

Hoje a casa cheira...

Hoje a casa cheira a lavado. As janelas estão limpas, o chão lustrado, as mantas sacudidas e o ar renovado.
Do forno saiu um folar, entrançado, sem ovos. Agora cozem-se bolachas.
A porta está aberta. De propósito.
Por todo o lado cheira a erva doce, a gengibre, a canela e a laranja.
A Páscoa está para mim como o Natal para as crianças. É momento de festa, de cor, de alegria. É tempo de renovação, que promovo, de nascimento, de magia.
É tempo de férias e descanso. Tão apreciado. Nossa!
É tempo de amêndoas e compasso. É tempo de engalanar a casa para os receber. Para O receber. Tempo de cozinha, muita. Tempo de reencontros e de novidades.
É, acima de tudo, a antecipação do que aí vem. É a porta que se abre. O cheirinho a verão, a calor e dias grandes e felizes. Dias de paz e descanso.
Hoje, é tempo de cozinha. De erva doce, gengibre, laranja e canela.
Hoje é mais um dia bom, dia bonito. Dia feliz!