terça-feira, 31 de maio de 2016

noitivando

Era já tarde. As estrelas há muito que haviam vestido o seu manto de encantamento e entre elas haviam já tecido um belo manto de escuridão e silêncio. 
Foi por essa altura que ela resolveu ir à varanda. Longas e extenuantes horas de trabalho cobravam-lhe já uma pausa, um breve momento de solidão e reencontro consigo mesma. Abandonou as linhas que a acompanhavam e decidiu demorar-se na varanda. Acendeu um cigarro e aproveitou para degustar os prazeres que uma noite calma e silenciosa permitem antever. A paz, a tranquilidade e a serenidade daquele céu estrelado fizeram-na sentir-se grata por ali estar. Atreveu-se a olhar uma varanda vizinha. A dona da casa andava num frenesim, provavelmente preparando a casa e a família para o dia de trabalho que em breve nascerá. Naquele momento sentiu-se feliz por poder usufruir de tão belo e ocioso momento.
A noite estava linda. Uma daquelas noites em que apetece mesmo sair, ainda que sozinha e muda, para uma caminhada sem pressas. Estava já tão envolvida naquela dialética noturna que conseguia sentir o pulsar da terra e ouvir os seus longos e profundos suspiros. A orquestra de grilos quase que a fez esquecer do movimento que agora imitava mas logo o chamamento da mãe terra se tornou mais forte e a buscou para si. Os ruídos que outrora ouvia foram como que apagados por uma suave e quase transparente borracha e tudo o resto à sua volta deixou de existir. Estava feliz. Estava grata. O cansaço que sentia foi levado como que de um sopro e ela sentia-se revigorada, cheia de vontade de empreender a tal caminhada noturna. A noite convidava-a para um atrevido e inesperado tango, logo ela que se inclinava muito mais para o bailado. Teria ela a coragem de partir em tão encantadora aventura?