quarta-feira, 22 de abril de 2015

vocábulos

Hoje foi dia de mercado. Apesar da chuva e do céu enfarruscado, a feira estava como sempre, bela, colorida, fresca, vibrante, cheia de vendedeiras das quatro estações. E é precisamente isso que me faz gostar de lá ir. Adoro um belo mercado, adoro os vernáculos, adoro o amontoado de gente que me permite passear vestida de transparência e observar incolumemente toda aquela dinâmica.
Acredito mesmo que será aquela dinâmica viva, vibrante, de homens e mulheres fortes e eloquentes que me fazem gostar de frequentar as feiras e os mercados deste nosso país.
Além do que, sempre que lá vou  encontro-me com novas aprendizagens. Regresso a casa cheia de novos conhecimentos, senão vejamos,
 
- emocionei-me ao perceber que as vendedoras antecipam a chuva pelo cheiro do vento ou o gemido das folhas de alface. Como eu invejo essa capacidade.
 
- vibrei ao perceber que nestes meses que estive afastada novas espécies frutícolas vingaram nos campos e, eis senão quando me deparo com elas, frescas, sumarentas e viçosas nas bancas do mercado:
Era maçã "fugio", maçã "starke" e maçã "ranheta" por todo o lado. Ainda andei à procura das velhas versões, continuo a ser muito avessa à novidade, mas lá tive de me render aos avanços da ciência linguística.
 
- morangos espanhóis que me juravam serem portugueses. Não é que os sacanas até me conseguiram apresentar cartão de cidadão válido? Incrível!
 
Passemos então à súmula da manhã:
Como orgulhosa observadora de comportamentos, atitudes e procedimentos passei uma manhã esplendorosa.
 
Como apreciadora de legumes e frutas de toda a espécie, deliciei-me com os cheiros  e as cores que uma manhã de chuva consegue fazerem brilhar ainda mais.
 
Como exploradora de novos vocábulos, devo dizer que estava nas minhas quintas. Era palavra, palavrinha e palavrão para todo o lado. Voavam supressões, adições e modificações de sílabas por todas as bancas.

Este foi sem dúvida um episódio que me divertiu imenso e me fez sair um bocadinho do casulo onde tenho andado escondida.
 
Para a semana, se puder, volto lá. Desta vez com um caderninho para não me esquecer de nada importante.



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Diário de um sonhador I

Acho que estou a começar a absorver demasiado o estado de espírito dos entrevistados...
É demasiada desmotivação, demasiada deprimência. É tristeza e frustração, misturada com desolação e desilusão no seu estado mais puro.
É demasiado triste e deixa-me triste constatar e testemunhar este estado de sombra e derrotada revolta.
Não se veem já raios de sol e sorrisos de parque. Assobios de vento ou castelos de areia.
Esmiúçam-se as respostas, analisam-se os discursos e o que se encontra é apenas um copo vazio. Completamente seco e com marcas dos dias de festa.
Acho que a  educação vive o mais longo dos invernos. Um inverno frio, cinzento, molhado.
Os corações e as almas de quem instrui estão também frios, desacreditados, inseguros e insatisfeitos. Acima de tudo, saturados. E como que por osmose, o meu também.
Tenho os ouvidos e os olhos cheios de palavras fúnebres. As mãos frias e a casa vazia.
Acabamos de passar pelo tempo da Páscoa, mas parece que o compasso se esqueceu de visitar as escolas. Parece que a primavera perdeu igualmente o seu mapa. Não se cheira a ressurreição nem se tateia a esperança. Ninguém conseguiu ainda inspirar e fazer fluir a nova vida na corrente sanguínea. Parece que as sombras têm vindo a ganhar terreno no coração de quem instrui e forma e educa e encaminha. Dá-me medo pensar que justamente estes corações estão ameaçados. Logo aqueles corações que deveriam ver sempre o sonho, a alegria, a esperança, o sorriso nos dias mais escuros e sombrios. Construir pontes para um futuro mais consistente e equilibrado.
Pressinto que as pontes ardem, metro por metro, a cada ano que passa. E pensar nisso causa-me pavor.
 
Queridos sonhadores, por onde andais?
Se tiverdes emigrado, por favor, voltai.
Precisamos desesperadamente de todos vós.
Artistas, pintores de palavras, dançarinos de belas melodias,
engenheiros de pontes, barragens e aquedutos,
trazei de volta o brilho dos vossos olhos,
o bater acelerado dos vossos corações,
a urgência do espaço que vos habita.
 
 
Sinto-me só, triste, abandonada e incerta desta certeza que me habita, que me respira, que me faz querer.
Preciso da certeza das palavras de quem também acredita. Preciso que a vossa voz aquiete o meu coração e me mostre que juntos conseguiremos, por mais árdua e demorada que seja a tarefa.
Voltai, por favor!