terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Do dia de hoje...

Hoje é dia de casa, dia de família. Dia de cheiro, de calor, de conforto e aconchego. Dia de manta. Dia de sofá e de cházinho. Dia maravilhoso, este.
Já ontem ao acordar, o sentia chegar. O nevoeiro da madrugada deixava antever a beleza do dia que estava para vir. Ao sair, já lhe sentia a falta. Temia perdê-lo na distância que nos separa. Ao regressar, encontrei as possibilidades que tinha para me mostrar. Dia maravilhoso, este.
Vou montar a árvore. Engalanar a casa com o brilho das luzes brancas que ela me oferece. Brilho que ela me permite guardar nos olhos o ano inteiro. Pendurar as decorações, umas gastas outras ainda jovens e cintilantes. Todas em plena comunhão de sentidos. Todas representando um ser, ou um conjunto de seres, um momento, uma memória, uma história. Não posso esquecer as meias. Duas, por favor. Oxalá o Pai Natal se lembre de nós e as deixe bem recheadas de amor, compreensão, carinho, ternura, tolerância, altruísmo, solidariedade, amor ao próximo, sentido de união, presença e pertença... E se ainda lhe sobrar um fiozinho de lã desejoso de trabalho, poderá ainda deixar-nos uma máquina capaz de encurtar as distâncias e nos proporcionar mais tempo juntos. Estamos ambos necessitados desse presente.
Cheira-me a laranja e canela. Está na hora! Até já, vou receber o Natal em casa.

sábado, 14 de novembro de 2015

Do sorriso que não se vê

O título deste post deveria ser: "De quando ando a meter nojo aos outros" mas como reconheço que iria parecer muito mal, prefiro pensar noutro que logo escreverei.
Esta semana, e a propósito das atividades de comemoração do S. Martinho, decidi realizar uma atividade de escrita criativa com os miúdos. Como é uma das poucas coisas das quais ainda retiro prazer sinto-me genuinamente feliz ao realizá-la. Vai daí que, entre a busca insana de novos vocábulos pelo dicionário, um aluno assim mais pró livre e por isso, criativo, saiu-se com uma ideia muito engraçada. Nesse momento, o meu espírito acordou e eu dei corda à loucura. Naquele instante, múltiplas ideias brotaram, umas atrás das outras, e eu ri-me. Ri-me porque estava feliz e porque senti que estávamos a viver um momento daqueles muito especiais que acontecem na relação pedagógica. Vai daí que um aluno me diz: "-Ai, a professora riu-se." Ao que, ainda sem perceber o fundamento da constatação, respondi: "- Então, e qual é o mal?" A criança, do alto da sua bondade e sabedoria respondeu: "- A professora nunca se ri."
Aquela constatação caiu-me que nem uma pedra. Como é possível que ao cabo de... dois meses?... eu não me tenha ainda rido naquela sala e com aqueles meninos? Logo ali que eu me sinto tão bem? Tão acolhida, acarinhada e segura?
Aquela situação anda-me a moer o espírito desde o início da semana e à conta dela, tenho refletido bastante acerca da minha conduta. Não é normal um aluno dizer-me que não me rio. Gosto tanto daquilo que faço... sinto-me tão feliz e realizada ao pé deles... Não percebo. Existem uma série de pormenores que me têm vindo a escapar e isso deixa-me inquieta. Admiram-se por ser divertida e dizer coisas engraçadas. Não me parece que diga, mas eles acham que sim. Surpreendem-se porque corrijo a cor-de-rosa, roxo ou azul bebé e nunca me tinham visto a rir?!? Isto não é normal.
Estas chamadas de atenção obrigam-me a refletir e questionar o meu comportamento nos últimos tempos. Será que não me rio mesmo? Ou são eles que são distraídos? Andarei assim tão triste que já nem dou conta? A verdade é que no final de semana passada uma colega me alertou para o facto de que me sentia triste, em baixo e deprimida. Ri-me [sim, ri-me] e respondi-lhe que estava enganada. Que na realidade me acho bem, satisfeita, em paz, como não me sentia há muito tempo. Mas se calhar isso não é bem verdade...
E é então que me belisco e recordo que algumas pessoas me têm chamado à atenção para o facto de que levo tudo quanto me dizem a mal. Que respondo torto, sou agressiva, reativa. Negativamente reativa. Junto 2 + 2 e chego à conclusão de que o problema está em mim e não nos outros. Se calhar perdi a humildade, a bondade e a tolerância que a minha avó, bem ao jeito dos cânones católicos e apostólicos me ensinou.
Também é verdade que os humanos de quem eu gosto, ou aqueles que me acicatavam o espírito, me espicaçavam a mente ou me provocavam a querer ser mais e melhor já cá não estão ou estão longe ou então vestiram-se de transparência levando consigo os óculos de ver com os olhos interiores. Pergunto-me, é a vida ou sou eu? Se calhar sou mesmo eu... Por isso, car@s coelhinhos da minha floresta, leiam-me aqui um massivo pedido de desculpa pelo estado "iogurte estragado" em que me tenho encontrado. Prometo voltar ao exercício de me tornar um ser de luz, o ser que muit@s de vós merecem que seja.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Viagens na minha terra

Vive-se por aqui uma nova etapa. Uma nova fase de descoberta e encantamento. Respiram-se os ares serranos e escutam-se vocábulos galegos. Percorrem-se longos quilómetros todos os dias mas à saída da portagem recebe-se o calor, o abraço e o sorriso de quem nos espera. Da janela, deslumbram-se as vistas com centenários castanheiros e imponentes pinheiros e educa-se o olhar para aprender a distinguir o castanheiro bravo do castanheiro manso.
Toda a viagem é deslumbramento. Pelas pessoas, pelos lugares, pelos costumes, pelas palavras e pelas vozes que as proferem. Pela despretensão e humildade que as habita. Não se sentem aqui os ares de aristocracia nem o peso dos títulos que alguns seres carregam com vaidade. Aqui, o orgulho que sentem cheira-se nos campos de cultivo e ouve-se nas vozes dos pequenos que vão dando conta dos progressos feitos pelos anhos bebés. Vive-se, recorda-se, toda uma fase de verdadeiro e alegre encantamento. E a par e passo, vai-se concedendo a abertura necessária a toda a aprendizagem. Abrindo-se as portas a este novo lugar, a estes costumes que dizem tanto de nós e daquilo que somos. 
E aqui vemo-nos felizes.

Alice!

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O outono chegou

 
 
O outono chegou; o outono chegou;
E toda a pureza e toda a alegria,
Tudo o que de belo o outono encontrou,...
Fresco como a luz diáfana do dia.
— Ele, o outono frígido que hoje chegou —
Tudo o que é feito de pura harmonia,
Desde a graça da flor à voz da cotovia,
Tudo sem dó, ele impiamente matou.
Todos o amaldiçoam já, com horror;
Embora! É ele para mim o verdadeiro amor!
Só para mim o outono mil encantos tem...
Por isso de joelhos, eu lhe peço agora:
— “Outono, meu outono, não te vás embora
Sem me levar a mim, sem me levar também!

Guilherme de Faria (outono de 1920)
 
 
Sê bem-vindo, querido outono. Estava já à tua espera.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

da magia dos sons

Ontem descobri-a, ou melhor, redescobri-a, reencontrei-a, pela mão de um ser de luz, um poeta. A maior parte das vezes ando em busca não sei bem do quê. Um texto que me faça arrepiar, uma dança que me comova, uma música que me encante. Algo que me faça crescer, que me acrescente qualquer coisa, que me alimente a alma. Alma inquieta e geralmente saciada pela veia da fruição. Hoje, a minha alma está feliz, plena de amor, palpitante de alegria, transpirada de boas e saudosas memórias, porque ontem reencontrei uma das mais belas melodias que os ouvidos escutaram, uma das melodias que pautaram e encheram as minhas mais queridas aulas. As aulas que me fizeram melhor e mais gostada. As aulas que me deram a conhecer as minhas forças e as minhas fraquezas em todo o seu esplendor. As aulas onde produzi amor, lambi e curei muitas feridas. Quase todas elas foram estrategicamente pensadas no sentido da reestruturação, da ressignificação de nós mesmas e sempre polvilhadas com pequenas obras de arte. Entre elas, esta que gentilmente partilho com quem quiser escutar. Muitos dos que me leem (e que eu delicada e afetuosamente beijo) poderão não perceber a força que esta exerce sobre mim, pois que não a conseguem associar aos campos de girassóis nem à magia dos afetos que brotava daquelas aulas. Não me sinto magoada por isso. Apenas peço que a escutem. Não é uma melodia triste ou funesta, pelo contrário. Conta uma bela história de luta, força, coragem, dádiva, amor.
Mais do que explica-la, é necessário ouvi-la, senti-la, tatua-la, se assim o desejarem.

Boa viagem!

sábado, 19 de setembro de 2015

trilhando pela História

Hoje está um belo dia de outono. Estou consciente de que o verão ainda não acabou oficialmente, mas dentro dos meus olhos e encostado à pele está o outono, o meu outono. O outono dos dias ensolarados e frios. O outono dos dias bem-dispostos mas ventosos que me fazem ir buscar os adorados lenços, echarpes e cachecóis. O outono das manhãs frias e das tardes quentes. Esse outono que é morno sem ser quente. O outono dos solitários passeios à beira-mar, sem atropelos, sem pressas, sem toalhas ou parques a abarrotar. Esse outono que vive o ano inteiro dentro de mim.
Ontem foi dia de celebrar o outono. Como geralmente acontece, exagerei. Vivo estes momentos tão intensamente que me forço ao ponto de no dia seguinte ter que encerrar para manutenção.
Ontem calcorreei novamente as ruas do Porto, desse Porto que tenho vindo a descobrir ser retemperador. Esse Porto que me tem oferecido experiências fantásticas e grandes momentos Kodak.
Não o conhecia assim. Sentia-o das memórias de infância e adolescência, quando percorríamos a rua de Santa Catarina em busca dos jeans perfeitos. Quase sempre com o dinheiro contado, ou sem dinheiro, era o Porto da rua de Santa Catarina que eu conhecia. Agora não. Agora começo a sentir e a respirar o Porto em toda a sua imponência. Das igrejas aos museus, passando pela baixa e zona ribeirinha, começo a adorar todos os cantinhos. A história impressa em cada pedra, em cada azulejo fazem-me querer regressar muitas vezes e repetir os trajetos já percorridos. Ontem fi-lo sozinha. A minha fiel companheira ocupou-se de outras responsabilidades mais nobres. Por isso, muni-me da minha música e parti em viagem pelo Porto. Gostei. Mais uma vez, gostei muito deste Porto do Bolhão, das tradições e os becos. [Gaja Ana Raquel, tenho que te levar nesta viagem. Sei que vais gostar de conhecer esta outra vida da cidade.]
Hoje é suposto lá voltar. [Querida Rosa, não sei como vai ser... Pressinto que será uma anedota só]
Queridos ossinhos, articulações e demais obstáculos, permitam-me lá voltar e continuar a sentir, a experimentar, enfim, a viver.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Uma espécie de manual

Dica do dia: Com perseverança, tudo se consegue.
 
Adenda: Ignora as parvoíces, desliga o complicómetro, aniquila as vírgulas que só servem para meter o nariz onde não são chamadas, arregaça as mangas, limpa o suor e cria.
E quando já te sentires cansada, aborrecida, com vontade de desistir porque te parece que não saiu nada de jeito, esquece. Fecha o documento, amanhã voltas a lê-lo. A manhã traz outra clarividência que um dia carregado de nervos e insegurança não te deixou perceber. E depois aí percebes que tens novamente que consultar o manual de sobrevivência psicológica. E depois de interiorizares toda a informação, respiras fundo e procuras encontrar o teu eixo. O eixo que te permite voltar a devanear e a criar tão delicada e profundamente que te comoves. E é então que aquele texto, aquela belíssima obra de arte te sai das mãos e se faz nascer. Não voltes a lê-lo. Se o fizeres vai encontrar-lhe falhas, disputas frásicas, quezílias antigas entre sujeito e predicado. Irás concentrar-te em todos eles e perder o essencial. O melhor de ti. Está lá mas tu não o vês. Não o leias. Simplesmente envia e espera a resposta da multidão. Daquela multidão tão grande que de um suspiro cria um mundo dentro de ti. Espera. Olha a chuva. Absorve a sua humidade. Irá regar os planaltos secos dentro de ti. Encherá novamente os teus rios quase morridos para que estes possam voltar a correr dentro das tuas veias com toda a sua pujança. Aguarda. Caso contrário, produzirás o gémeo que não mais servirá do que para demonstrar a fraqueza da tua força. Se chegares ao ponto insano de o tornar matéria viva esforça-te por guardá-lo na gaveta para quando dele necessitares. De outra forma, estarás a expor a confusão e o desassossego que te habitam. Não o faças. Não para já. Sê amiga de ti mesma.
 
P.S.: E se nada disto funcionar, recomeça. Recomeça uma e outra vez até que encontres o teu eixo, o ponto de equilíbrio entre o êxtase e a alegria que a audácia de criar provocam em ti e o bloqueio produzido pelo receio de desiludir e de falhar. Simplesmente recomeça. Isso há de passar.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Em crescimento...

Em processo de crescimento literário. Sofrido processo de incubação, este.  Vou ali apanhar um sopro de ar frio e  já volto.

sábado, 12 de setembro de 2015

Amorizade

Ultimamente tenho sido acometida por elevadas doses de amorizade. Estas, ainda que tomadas em forma de placebo têm servido para acalmar os desatinos, fazer esmorecer os desaires e, como qualquer medicação tomada em excesso, têm exercido alguns efeitos adversos. Contudo, estes efeitos revelam-se arrebatadoramente positivos. Estimulam-me a produção de gargalhadas, desinibem-me os abraços, abrandam-me as lágrimas e fortalecem-me a autoestima. Acima de tudo, têm conseguido encher o meu coração de amor, amizade, carinho e elevadas doses de doçura.
Estes comprimidos, ainda que placebos, surgem-me na forma de amigos. Amigos que dia após dia têm vindo a conseguir alterar o estado de agonia, tristeza e desesperança que me assolava há muitos meses e para os quais já não conseguia encontrar remédio, mezinha ou poção. Muito sinceramente, não sei o que lhes fiz para ser digna de tão maravilhoso tratamento mas a verdade é que, entre longos mas sempre curtos telefonemas, pudins, piscinas e alfarrobeiras sinto-me recuperar. Os placebos carregados de amor e carinho têm sido a cura para um coração empedernido. Sinto que os bons velhos tempos regressam. Bons e velhos na medida do possível, vá. Já não sou quem era. Mudei. Embruteci. Deixei de sonhar. Deixei de crer. Fiquei mais forte. Mais segura. O balanço que faço desta história de dor acaba por ser positivo. Perdi-me muitas vezes ao longo do caminho mas começo já a ouvir chamarem por mim. E neste percurso de dor, começo a reencontrar o amor. Uma forma de amor que guia, orienta, reforça, cura - a amorizade.
Ontem à tarde praticámos mais um exercício de amorizade. E foi tão bom. Hoje acordei tão feliz. Percorremos imensas ruas, visitámos muitas e deveras interessantes lojas, conhecemos, partilhámos. Tivemos tempo para contar nossas histórias, chorar palavras e, por entre espaços de mútua compreensão, começar o processo de cura. É lento, doloroso, mas se for tecido por entre abraços e inocentes gargalhadas, acaba por tornar-se mais fácil.
Resumindo, adorei o dia de ontem. Tal como tenho adorado o exercício de dádiva e profunda doação que me tem sido ofertado. Tenho de agradecer profundamente a cinco bravas guerreiras, pelo amor, pelo carinho, pela atenção, pelos placebos que me têm ajudado a crescer forte e robusta. Elas são as tulipas do meu jardim. Cada uma tem sua cor, cada uma tem seu desabrochar. Cada uma um período de rega diferente. A todas faço questão de fertilizar. Apareceram-me em diferentes estações, mas sempre na altura devida. Todas juntas compõem o colorido da minha varanda.
Obrigada, queridas Bé, Joana, Liliana, Raquel, Rosa.
 
* E agora se me dão licença, está na hora de ir fazer outro pudim ;)
 
 

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

vencimento de anuidade

Passamos mais uma porta. Para ser mais precisa, passámos a 34ª porta. Devo confessar que não estava animada com mais esta passagem. A 33ª viagem revelou-se, entre momentos de nova e desconhecida felicidade, pejada de poços, penosas colinas e insalubres vales que depois de esforçada escalada se revelaram inférteis, desprovidos de cor. Faltava-lhes quase sempre a verde esperança da natureza renovada, a forte correnteza das águas límpidas e refrescantes de um rio, a transparência do vento que nos faz avançar. Faltava-lhes a essência que nos faz aproveitar a viagem e gozar a recompensa de tal esforço. E assim se passou mais um ano, entre esforçadas golfadas de ar necessárias à sobrevivência e a manutenção de uma esperança que não nos fizesse desvanecer. Alimentámo-nos com sonhos de algodão doce e belos fios de ouro. Amparámo-nos na bela e frágil costureira, que nos mostrou um mundo de olhos brilhantes e sorrisos rasgados - o combustível necessário à travessia. Agradecemos-lhe por isso. Seremos-lhe eternamente gratos. Tal como o seremos a todos os seres de luz, guerreiros de asa branca que intervindo delicadamente nos foram ofertando as ferramentas necessárias à passagem. E foram precisamente estes seres de luz, guerreiros de asa branca que no dia, apesar de distantes, se fizeram presentes. Não é todos os dias que somos acordados pelo carteiro que transporta um presente cozinhado no coração e tecido com todo o carinho que esse ser traz em si. E que apesar de distante, preparou para que fosse entregue na hora certa.
O dia, passámo-lo sozinhos. Fomos à feira, local onde a vida fervilha, local sempre apreciado. Fomos à biblioteca, espaço de encontro, sala de extrema preferência e devoção. Recebemos sorrisos e distribuímos carinhos. Fomos abraçados e lembrados. Ao fim da tarde, fomos até à casa materna, berço da nossa nação. Espaço de amor e compreensão fecundos onde mais uma vez bebemos raios de sol e tempestades de esperança.
Como somos gratos por todo o amor que recebemos!
Cruzada que está mais uma porta, fica-nos a ânsia do desconhecido, a esperança no novo, mas acima de tudo, um olhar mais humanizado e treinado na aceitação.
 
[Apesar de não o gostar, este foi um dia meu, um dia em que me ofertei a mim mesma e pratiquei a arte da aceitação.]
 
Alice!

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

226º dia

Gosto destas chuvas de verão. Os dias ficam mais calmos, as árvores de um verde mais profundo e calmante, o cheiro a terra molhada invade-me o olfato e a pele e logo me traz à memória lembranças da infância. Sinto que respiro ao mesmo ritmo da terra molhada, calma e pacificamente. Sente-se afrouxar o rebuliço e a exacerbada felicidade de ser verão. As ruas ficam mais vazias, os momentos de silêncio tornam-se pequenas joias escondidas nas gotas que escorrem das folhas das árvores, dos telhados e dos fios do telefone. A água fica mais quente e eu volto a ter oportunidade de me esconder debaixo do casaco. Adoro estes dias de chuva no verão.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

da comunhão das almas

Por vezes somos abençoados com seres especiais, seres de luz. Seres que julgávamos já não existirem ou jamais sermos capazes de encontrar. E eis que, no meio da desesperança e incredulidade somos abraçados pelas palavras de alguém que comunga plenamente dos nossos ideais. Alguém que tem os mesmos sonhos, as mesmas crenças, a mesma religião. E nesse momento sentimo-nos tocados pela magia de ter conhecido alguém assim. Alguém que podíamos ser nós mas não somos. Alguém que sem nos ser nada, é-nos tudo. Alguém que nos mostra como somos bonitos aos seus olhos. Alguém que diz aquilo que sentimos sem nunca termos sido capazes de o dizer. Alguém que nos pensa antes de o criarmos. Alguém que nos mostra que podemos sonhar e continuar a acreditar, porque é possível. Alguém que nos sonha e nos acredita muito mais do que nós alguma vez ousámos sonhar e acreditar. E no dia em que encontramos esse alguém, julgamos estar a sonhar. Como é possível existir alguém que nos perceba tão melhor do que nós? Alguém que nos leia tão claramente que é capaz de corrigir todas as vírgulas, juntar todos os parágrafos e acabar com todas as reticências que nos preenchem? Alguém que escreve e se inscreve todos os dias em nós? A descrença, a desesperança e a experiência fizeram-me acreditar que era impossível encontrar alguém assim. Contudo, chegou o dia em que o encontramos, esse alguém que faz correr um rio dentro de nós, ao mesmo tempo que seca todas as planícies outrora alagadas por chuvas e ventos intensos. Quando isso acontece, somos invadidos por um calor e uma luz interna que queremos nunca mais se extingam e pedimos para que esse ser de luz nunca mais se afaste de nós, porque queremos muito partilhar dessa luz. Sem medo, sem insegurança, sem incertezas, percebemo-nos capazes de sentir e viver essa luz.
Adoro-te, querido e terno ser de luz!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

...


E já falta tão pouco... Falta tão pouco que parece, já começo a sentir saudades... Doentia existência, que me faz sentir falta do que me faz doer.
Passou a sensação de leveza, de satisfação, de dever cumprido para regressarem as leituras, a sensação de insatisfação, de insegurança... Regressaram-me as teias e os atavismos, os poços e as linhas de quádruplo sentido. E já falta tão pouco... Olho a flor e sinto-a quase a brotar. Olho pelo binóculo e avisto terra. Mas eis que regressam a chuva, as tempestades, os ventos que me obrigam a parar. Flutuo apenas. Reflito, conjeturo, esquematizo e volto a refletir. Regressaram-me as dúvidas, os anseios e as teias. Ativaram-me o sistema de assistência à travagem. É chegado o momento de concluir, de conjeturar, de tomar uma posição. Dor incómoda esta, que me obriga a uma conclusão solitária, brava, corajosa. Que me obriga a sair de casa e mostrar a pele branca e sedenta de sol. Regressaram-me o medo e a ansiedade. Range já a engrenagem que parecia tão bem oleada. O medo tolhe-me as articulações, espreme-me as intenções, atrapalha-me o devaneio, constrange-me o sonho. E já falta tão pouco... Só preciso de um pouquinho mais de força. Vamos, coragem. Está quase!

quinta-feira, 4 de junho de 2015

O meu melhor amigo

Todos os dias eu via aquela humana à janela olhando por longos períodos de tempo as plantações que o meu dono cultivava afincadamente.
Todos os dias essa humana ia à janela sacudir lençóis, cobertores e pijamas. Mais ninguém naquele bloco de janelas fazia o mesmo, apenas aquela humana cujos cabelos esvoaçavam e me pareciam dançar felizes ao sabor do vento.
Durante meses, ladrei àquela humana. Passava horas questionando-me o que significava aquele ritual que mais ninguém realizava. Seria essa a sua forma de saudar as pessoas, os pássaros e a toupeira que vivia no jardim? Seria a forma de ela esvaziar as suas tigelas e assim ficar à espera que o vento lhe trouxesse ração fresca? Era estranho. Os meus humanos não faziam isso. A minha humana fazia-o, talvez, a cada mudança da lua e às vezes até coincidia com o meu banho. Argh! banho...
E eu ladrava àquela humana. E ela continuava a olhar-me fixamente, a mim e ao campo cultivado pelo meu dono.
Eu era o dono do meu pátio, chefiava uma matilha de formigas, gafanhotos e louva-a-deus e ela era a dona daquele bando que eu desconhecia. E assim se foram passando os meses. Eu ladrando, ela fixando.
Entre dormidas, correrias e latidos ia olhando aquela janela e os olhos daquela humana tentando perceber as suas reais intenções. Quereria ela usurpar o produto do trabalho dos meus donos? Quereria ela colher apenas algumas flores? Teria fome? Pretenderia ela COMER DAS MINHAS TIGELAS?!? Ah... isso nunca iria acontecer. Ou estaria ela sozinha e ocupava o seu tempo contemplando a bela simetria criada pelo meu dono entre batatas e cenouras, jacintos e cameleiras?
Ou quereria ela tornar-se minha amiga? Nunca tive amigos humanos...
Os meus donos nunca foram meus amigos, menos ainda a partir do dia em que chegou um elegante poodle a nossa casa e que a minha dona tratava com muito carinho.
Não sei dizer quanto tempo passou desde que o Caracolinho chegou até que eu fugi e fui resgatado por aquela humana a quem eu ladrava.
Como não compreendo o tempo dos humanos, posso apenas dizer que nasceram e partiram muitos sois e muitas luas. Brilharam muitas estrelas nos meus olhos e caíram milhares de pesadas gotas de chuva sobre o meu pelo caramelo. Os banhos deixaram de acontecer, a chuva lavava-me e o vento secava-me. Começaram a repetir-se as refeições de tigela vazia. Seria da crise financeira que ouvia a minha dona contar às vizinhas e às amigas sempre por um estranho aparelho que ela não largava nunca? Era estranha aquela coleira dela. Muito diferente da minha. Talvez porque fosse humana e eu agora não passava de mais uma obrigação no quintal.
As chineladas, essas começaram a ser cada vez mais frequentes, quer eu roesse um chinelo de que a minha humana gostava muito, quer eu estivesse placidamente deitado no tapete da entrada - o melhor sítio da casa. Nem em cachorro, que reconheço fazia muita asneira, levava tanta chinelada.
A certa altura, deixei de as sentir e começaram a funcionar como uma espécie de massagem lombar ora para afastar os inúmeros seres que teimavam em povoar o meu outrora lustroso e brilhante pelo ora para o escovar e afastar a pelagem que teimava em cair.
Não sei explicar como, já que em cachorro meu pai me havia ensinado que podíamos confiar nos humanos pois estes viam-nos como os seus melhores amigos, deixei de acreditar. Deixei de confiar. Deixei de ladrar. Deixei até de ladrar à humana de cabelos dançantes.
Percebi que ela olhava para mim de forma diferente. Não sei explicar bem como, os canídeos não aprendem a falar sobre os seus sentimentos como os humanos, apenas aprendemos a expressa-los da forma mais genuína que conhecemos, demonstrando o nosso afeto, o nosso carinho, a nossa atenção para com o nosso humano.
Depois de assistir a muitos desabrochar e cair das flores das cameleiras, eu do meu pátio, ela da sua janela, deixei de ver os olhos falantes da humana dos cabelos dançantes.
 
Um dia bateram à porta. Eu, que antes da chegada do Caracolinho era o primeiro a receber quem chegava a nossa casa, agora só conseguia ouvir vozes, algumas alegres e bem vivas, outras elevadas, ferozes e zangadas. E de entre todas elas, destaquei uma voz doce e serena. Parei de farejar e concentrei-me nela. Fiquei à espera. O meu olfato não conseguia identificar aquele odor, a minha audição não reconhecia a voz doce e serena mas os meus olhos encheram-se de estrelas quando reconheci a humana dos cabelos dançantes. Vinha-me buscar.
 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

devaneios

Por aqui andamos assim, por entre loucos e sofridos devaneios. Por entre dolorosas e desgastantes psicanálises. Encarando de frente as falhas, as ameaças, os erros e tentando, como sempre, superar os demónios que nos assolam o espírito.
Lemos mas não guardamos em nós. Entendemos o devaneio do outro, chegamos a partilhar desse mesmo devanear por alguns segundos, por algumas horas nos dias bons mas não chegamos ainda a incrusta-lo em nós como uma marca, um sinal que nos define. Vivemos períodos de uma longa e excruciante incubação. Pedimos que acabe. Estamos esgotados. Exigimos que este longo e difícil parto se dê. Que este filho veja a luz do dia o quanto antes. É que neste momento já não somos nós, somos ele. Não gostamos quando deixamos de ser nós. Adoramos dar-nos a ele mas não queremos nunca deixar de ser nós. É imperativo que este capítulo se encerre para que possamos voltar a ser nós.
 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

vocábulos

Hoje foi dia de mercado. Apesar da chuva e do céu enfarruscado, a feira estava como sempre, bela, colorida, fresca, vibrante, cheia de vendedeiras das quatro estações. E é precisamente isso que me faz gostar de lá ir. Adoro um belo mercado, adoro os vernáculos, adoro o amontoado de gente que me permite passear vestida de transparência e observar incolumemente toda aquela dinâmica.
Acredito mesmo que será aquela dinâmica viva, vibrante, de homens e mulheres fortes e eloquentes que me fazem gostar de frequentar as feiras e os mercados deste nosso país.
Além do que, sempre que lá vou  encontro-me com novas aprendizagens. Regresso a casa cheia de novos conhecimentos, senão vejamos,
 
- emocionei-me ao perceber que as vendedoras antecipam a chuva pelo cheiro do vento ou o gemido das folhas de alface. Como eu invejo essa capacidade.
 
- vibrei ao perceber que nestes meses que estive afastada novas espécies frutícolas vingaram nos campos e, eis senão quando me deparo com elas, frescas, sumarentas e viçosas nas bancas do mercado:
Era maçã "fugio", maçã "starke" e maçã "ranheta" por todo o lado. Ainda andei à procura das velhas versões, continuo a ser muito avessa à novidade, mas lá tive de me render aos avanços da ciência linguística.
 
- morangos espanhóis que me juravam serem portugueses. Não é que os sacanas até me conseguiram apresentar cartão de cidadão válido? Incrível!
 
Passemos então à súmula da manhã:
Como orgulhosa observadora de comportamentos, atitudes e procedimentos passei uma manhã esplendorosa.
 
Como apreciadora de legumes e frutas de toda a espécie, deliciei-me com os cheiros  e as cores que uma manhã de chuva consegue fazerem brilhar ainda mais.
 
Como exploradora de novos vocábulos, devo dizer que estava nas minhas quintas. Era palavra, palavrinha e palavrão para todo o lado. Voavam supressões, adições e modificações de sílabas por todas as bancas.

Este foi sem dúvida um episódio que me divertiu imenso e me fez sair um bocadinho do casulo onde tenho andado escondida.
 
Para a semana, se puder, volto lá. Desta vez com um caderninho para não me esquecer de nada importante.



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Diário de um sonhador I

Acho que estou a começar a absorver demasiado o estado de espírito dos entrevistados...
É demasiada desmotivação, demasiada deprimência. É tristeza e frustração, misturada com desolação e desilusão no seu estado mais puro.
É demasiado triste e deixa-me triste constatar e testemunhar este estado de sombra e derrotada revolta.
Não se veem já raios de sol e sorrisos de parque. Assobios de vento ou castelos de areia.
Esmiúçam-se as respostas, analisam-se os discursos e o que se encontra é apenas um copo vazio. Completamente seco e com marcas dos dias de festa.
Acho que a  educação vive o mais longo dos invernos. Um inverno frio, cinzento, molhado.
Os corações e as almas de quem instrui estão também frios, desacreditados, inseguros e insatisfeitos. Acima de tudo, saturados. E como que por osmose, o meu também.
Tenho os ouvidos e os olhos cheios de palavras fúnebres. As mãos frias e a casa vazia.
Acabamos de passar pelo tempo da Páscoa, mas parece que o compasso se esqueceu de visitar as escolas. Parece que a primavera perdeu igualmente o seu mapa. Não se cheira a ressurreição nem se tateia a esperança. Ninguém conseguiu ainda inspirar e fazer fluir a nova vida na corrente sanguínea. Parece que as sombras têm vindo a ganhar terreno no coração de quem instrui e forma e educa e encaminha. Dá-me medo pensar que justamente estes corações estão ameaçados. Logo aqueles corações que deveriam ver sempre o sonho, a alegria, a esperança, o sorriso nos dias mais escuros e sombrios. Construir pontes para um futuro mais consistente e equilibrado.
Pressinto que as pontes ardem, metro por metro, a cada ano que passa. E pensar nisso causa-me pavor.
 
Queridos sonhadores, por onde andais?
Se tiverdes emigrado, por favor, voltai.
Precisamos desesperadamente de todos vós.
Artistas, pintores de palavras, dançarinos de belas melodias,
engenheiros de pontes, barragens e aquedutos,
trazei de volta o brilho dos vossos olhos,
o bater acelerado dos vossos corações,
a urgência do espaço que vos habita.
 
 
Sinto-me só, triste, abandonada e incerta desta certeza que me habita, que me respira, que me faz querer.
Preciso da certeza das palavras de quem também acredita. Preciso que a vossa voz aquiete o meu coração e me mostre que juntos conseguiremos, por mais árdua e demorada que seja a tarefa.
Voltai, por favor!

domingo, 15 de março de 2015

Do amor...

Há dias [meses], e no seguimento de uma conversa estupidamente prazerosa com um amigo, vimo-nos chegados à questão: O que é o amor?
Vimo-nos não. Deparei-me eu com a questão, já que foi ele o emissor de tal indagação.
Confesso que tive dificuldade em responder no momento. Não porque não saiba o que é o amor. Sei. Mas porque é uma teia tão complexa, carregada de avenidas, ruelas e veredas que tanto se revela forte e segura de si como logo se percebe uma falha, um fio que se solta e compromete todo um equilíbrio.
Desta teia, que se tece junto ao coração mas que se prolonga pelo cérebro, pelos olhos, pela boca, pela pele, fazem parte não só a aranha que a tece mas todos os seres que a mantêm, formando uma civilização por vezes pouco hierarquizada e caótica.
Existem teias mais fortes, claro está, construídas com estáveis e robustos alicerces. Pacífica e metodicamente projetadas a dois. Depois, outras há que nascem do desequilíbrio, do acaso, da feliz ou infeliz coincidência. Conseguem manter-se belas e brilhantes, mesmo nos dias de chuva. Aliás, é durante os dias de monção que elas se revelam mais bonitas e brilhantes que as outras. verdadeiros diamantes delapidados lenta e prodigiosamente. E por vezes, ainda se dá o caso de encontrarmos apenas restos daquelas que foram elegantes e vaidosas teias mas que se desvaneceram ao primeiro sopro dos dias mais ventosos.
Contudo, e porque somos seres demasiado complexos, as nossas teias também o são. Podia, por isso, estar aqui o dia todo a falar das inúmeras construções que se tecem em torno de um sentimento que nos é necessário, quer seja a dois, a três, a uma multidão. Cabe-nos saber gerir essa organização. É que, para além dos inúmeros seres que a desequilibram ou completam, devemos ainda falar dos diferentes tipos de amor que habitam as ruelas, as veredas e as principais avenidas da nossa teia. Para além do amor platónico, do amor carnal, do amor apaixonado que nos alimentam e motivam, ainda vivemos do amor fraterno, do amor à literatura, à dança, à música e a todas as formas de arte. Estes, que construímos ao longo dos muitos anos de formação pessoal  são aqueles tipos de amor que nos completam e nos orientam, a maior parte das vezes.
E a amizade, uma das mais belas e inocentes formas de amor? Sobre ela teceria todo um novo rosário, contudo, prefiro ir pousando as suas contas aqui e além.
 
O que me apetece realmente dizer, querido P. (e no seguimento de outra questão) é que, realmente acredito que podemos amar mais do que um, mais do que muitos. E que é legítimo e real esse sentimento por algo ou alguém. Sim, porque não? A nossa teia é demasiado complexa, o nosso coração demasiado grande. Sentimo-nos confusos, divididos, inseguros. Tememos errar e fazer as opções incorretas. Mas a vida não é mesmo isso?
Quem sou eu para dizer: arrisca? Não tenho essa força, falta-me a coragem e o medo tolhe-me a maior parte das vezes. Contudo, e como não faço parte da teia que me desenhaste no papel, posso e sinto-me no direito de te dizer, "Querido amigo, arrisca. Experimenta ser feliz. Não te percas em indecisões, dúvidas, medos, receios. A tua teia é tão complexa como qualquer outra. A chuva levou uma parte. Não entristeças, querido amigo. Com certeza estava podre e a precisar de novas linhas, novas avenidas e novos caminhos. Quem sabe onde estes te levarão?"
 
Alice
 


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Dias assim

4:30 h - Acordo
 
5:20 h - Saio de casa rumo a mais uma viagem
 
9:30 h - Reunião
 
14:00 h - Formação
 
19:00 h - Jantar com as colegas
 
Há dias que são efetivamente longos. Mais compridos e atarefados que todos os outros.
Se não, vejamos:
Hoje, depois de 2:30 de viagem de comboio + 1 h de viagem até à Escola, seguidas de 3 horas e meia de reunião + 5 horas de formação e 1 jantar com as colegas na Terrugem = ?
= a um dia de 20 horas non stop.

E depois de desejar chegar a casa desde que saí de casa, estou aqui, à espera que a água do cilindro aqueça e eu possa tomar aquele banho quentinho que sinto merecer.
 
Conclusão [em modo repeat]: Há dias que são efetivamente longos. Mais compridos e atarefados que todos os outros.
Há dias de longas horas e noites de curtos sonos. Há dias assim.

Alice!
 




terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Desejo de intemporalidade

Tomara eu o dom da clarividência e antever claramente este dia.
Quisera eu ser meta-humana e poder transportar-me no tempo, pelo tempo, até ao tempo de sala de aula. O tempo de Professora que olhava os alunos com pestanas de sol e luar, sorriso de papoilas e gordas gerberas, coração de pássaro. E eu, aluna, me deslumbrava. Sorvendo avidamente aquele ser, gigante, que desejava ser meu.
Vejo-me sempre atrasada. Atrasada no tempo, retardada pelo tempo.
Quem me dera ser a aluna da professora guardadora de rebanhos. Quem me dera ter-te lido mais cedo e aprendido que podemos ser, apenas ser. Sendo sempre o que quisermos e enquanto quisermos.
Quem me dera conversássemos, discutíssemos, partilhássemos.
Pudesse eu mostrar-te que te sigo as pisadas, ainda que em leves passos.
Quem me dera não estivesse atrasada, nesses tempos nossos, tão diferentes. Sempre retardada pelo meu tempo interior, muito mais lento que o exterior. Aquele que galopa as horas e puxa a manhã seguinte.
Quem me dera ter adquirido a clarividência que apenas a passagem do tempo vai conferindo, para gerir melhor o nosso tempo.
Quem me dera ter já terminado e conseguido mostrar-te aquilo que tenho feito. Dizer-te que te sinto na pele, na vontade, na voz, na sala de aula. Quem me dera ter conseguido mostrar-te que te sigo e me orientas, coração de pássaro, na divina arte de deslumbrar.
Quem me dera ter tido o tempo largo para te mostrar que já fui também eleita, membro honorário desta preciosa e retumbante Pedagogia do Deslumbramento.
Quem me dera o Tempo desse mais tempo a este nosso tempo.
Pelos meus olhos navega um mar de pena. A minha alma chora esta passagem do Tempo, os desencantos na dinâmica do tempo; a falta; o desconhecimento; os desencontros; a inexperiência; o desejo de ser, de crer, de crescer. Para sempre.
Serei eu capaz de te continuar? De inserir o tu no eu? O nós no todo? De conjugar o verbo com a mesma força, o mesmo amor?
Resta-me sonhar. Esforçar-me por continuar entre mundos. Maravilhar e maravilhar-me. Tentando sempre encontrar(-me).
 
Até sempre e para sempre, querida Luísa!

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A casa

Todos os dias pela manhã, ia à janela do meu quarto e ficava a olhar uma casinha amorosa nas traseiras do meu prédio e ficava a sonhar com ela. Sonhava aluga-la e desenvolver lá todas as pedagogias que vivem em mim. Aplicar e animar todas as Luísas Dacosta, todos os Gaston Bachelard, todos os Georges Jean, todas as Maria Montessori, todos os Rubem Alves, todos os Paulo Freire, todos os Nisas, todas as pedagogias Waldorf que vivem em mim. Aproveitar aquele palmo de terra e cultivar, estudando cientificamente todos os processos de crescimento, todas as poções mágicas gérmen de vida, que a Natureza nos oferece. Todos os dias me via ali, a abrir a porta do meu tamanho e a única janela à luz matutina, esperando ansiosamente todas as mentes inquietas que me quisessem escutar, que comigo quisessem aprender. Em suma, as mentes que me iriam fazer aprender, ensinando.
Pratiquei esse ritual utópico durante oito anos.
Agora, já não vou à janela. Agora, a casa está ocupada. Agora a certeza de uma vida preenchida com sonhos de algodão doce e biscoitos de alfazema foi derrubada. Os sonhos transformaram-se em nevoeiro que vou sentindo aqui e além. Os frasquinhos de estrelas foram quebrados e todas elas voaram. Encontro-as saudosamente, sempre que me atrevo a olhar para cima. Comovo-me e conforto-me nas noites de céu estrelado, pois sei que elas continuam lá, à espera que as resgate de novo.
Apanho os caquinhos do frasquinho. Tento colá-los. Processo que temo demorar anos. Mas não desisto. A Luísa não me deixa desistir. O Rubem pica-me com penas de falcão, não me deixando esquecer que o melhor está cá dentro, aquele melhor que só os olhos interiores, aqueles mesmos especiais e feitos de todas as cores nos deixam ver. A Maria lê-me os desejos, assegurando-me que a cientificidade da Natureza continuará em cada pétala, em cada espinho, em cada folha caída. A Pedagogia ainda não morreu. Passou apenas para outro plano.
As estrelas não desapareceram, estão apenas mais longe. A casa não foi derrubada, foi sim, ocupada. Janelas existem muitas, mas nenhuma como aquela.
Encontrarei outra casa, tenho a certeza. Cultivarei muitos solos. Colherei muitas flores e milhares de frutos. Espalharei de novo as sementes e esperarei pacientemente que se desenvolvam e se espalhem por aí. Nutrirei todas elas com o mesmo olhar deslumbrado que Gaston me autorizou a ter. Voltarei de novo à Luísa. Continuarei sempre a cumprir a sua palavra, a palavra que acredito ser todo o Verbo. Ensinarei e aprenderei, porque só ensinando se continuará a aprender.
 
Alice!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Das minhas gajas II

Hoje sinto-me na obrigação, ainda que em nada se tenha imposto como obrigatória, de falar de uma das minhas gajas.
 
Sei que volta e meia venho aqui falar sobre elas e hoje é claramente um desses dias. E como este continua a ser o espaço privilegiado para o fazer, impõe-se que o faça.
 
Hoje apetece-me falar sobre a Liliana, Lilas para os amigos.
 
A Liliana foi uma das poucas boas amigas que a intrincada vida laboral me trouxe.
 
Conhecemo-nos ainda na faculdade, se bem que nessa altura tivéssemos pouco contacto. A nossa amizade começou a ser construída já em plena prática letiva, experimentando alegrias e agruras a pares. E que bela parceria fizemos. Acho que o nosso único falhanço está mesmo na gelatina que não solidificou...
 
A Liliana é assim daquelas moças altamente misteriosas, sérias, responsáveis e com altos muros edificados. Contudo, assim que uma brechazinha de luz se abre, vislumbra-se um enorme e generoso coração. Um sorriso rasgado e um humor que nos faz rir durante horas.
Uma inteligente e acutilante visão de raio-x que nos faz confiar e querer ser amiga dela no primeiro minuto. Altamente viajada, culta, mas ininterruptamente humilde e solidária.
 
A Liliana é assim uma espécie de matrioska. À medida que a vamos explorando, vamos ficando cada vez mais surpreendidos e encantados.
 
A Liliana é aquele tipo [altamente ameaçado de extinção] de amiga que nos envia materiais constantemente, apesar de raramente retribuirmos o gesto [sim, sou uma parva...]
 
E por esse motivo, e por todos os outros que não vou aqui enumerar já que se encontram em segredo de justiça, cumpre-me agradecer genuinamente a presença, a lembrança, o contínuo não-esquecimento.

Por isso, miss jeitosa, muito obrigada!
Obrigada pela paciência infinita.
Obrigada pelos sempre renovados convites.
Obrigada por não te esqueceres de mim.
Obrigada por estares sempre aí quando eu preciso.
Obrigada por preencheres os espaços vazios das noites frias.
Obrigada por estares sempre à distância de um telefonema, ou de um chat.
Obrigada por nunca me deixares ficar mal.
Obrigada pelos valores que orientam a tua viagem.
Obrigada por me manteres parte integrante da tua lista.
Obrigada por ainda me fazeres escolha.
Obrigada por seres uma das cores do meu arco-íris.