domingo, 26 de fevereiro de 2017

Dela...

Já há alguns meses que não vinha até este espaço. Não vinha porque simplesmente não tenho nada de bom para te contar, para "te" mostrar. Não tinha e continuo a não ter. Têm sido meses muito duros, meses de muitas perdas, perdas significativas, meses em que às vezes sinto que vou morrer de tristeza ou apenas ficar louca de vez. Assim, sem dramas, nem floreados. A verdade pura. Não me tem apetecido escrever nem ler, ou trabalhar sequer. Têm sido meses de uma luta diária para não cair num poço escuro, frio e fundo, um poço para onde escorrego muitas vezes, mas do qual ainda tenho conseguido sair. Os miúdos acabam sempre por me salvar, apesar de saber que não tenho sido nem de perto nem de longe, a pessoa que eles merecem que eu seja. E essa é mais uma das culpas que me consome diariamente.
A maior parte dos dias tenho a certeza que não vou conseguir. Não vou ser capaz. Ponto. Mas depois há aqueles em que, apesar de me sentir uma choninhas, sei que vou conseguir, sei que me vou safar, sei que, apesar de tudo, ainda sou forte e um dia destes vou conseguir levantar a cabeça e seguir, sem rancores, nem amarguras, nem tristeza. Muito menos me vou voltar a sentir só. Um dia...

Amanhã faz um mês que fiquei sem ela. Não consigo ainda falar do assunto. Não consigo dizer o nome dela. Não consigo ouvi-lo. Não consigo aceitar. Viro costas e faço de conta que não aconteceu, como sempre. Tem sido muito duro aceitar. Muito duro. Foi um golpe demasiado profundo numa carapaça já muito danificada.
Já há muito que ela estava doente. Passou o Natal no Hospital. Passou o Ano Novo no Hospital. E eu lá sempre, ao pé dela. A vê-la sucumbir de dia para dia. A chorar pra dentro, com vergonha dos outros. E ela lá, sem se dar conta de nada. Quase abandonada à sua sorte, ao seu fado. Num mundo que já não era o nosso, num mundinho só dela. Um mundo no qual o meu avô ainda estava vivo, de volta das suas inúmeras mulheres e ela sempre à espera que ele voltasse para casa. Num mundinho onde ela ainda era nova e ele ainda era novo. Um mundinho do qual, apesar de serem novos, eu fazia parte. Ela ainda sabia o meu nome e ainda me fazia tranças no cabelo antes de sair pra escola. Eu ainda vivia na casa dela e ela ainda me enchia o prato. Eu ensinava-a a escrever o nome e ela ensinava-me a rezar. Eu ouvia fado e aprendia a costurar. Um mundinho onde eu lhe dizia que um dia, a minha filha iria ter o nome dela. Será que ela ainda se lembrava disso? Um mundinho muito bom pra ela. E pra mim. Um mundinho, uma história, um ser que eu não vou ver mais, não vou ouvir mais.
Tem sido duro, muito duro. Não sei que mais dizer... Não encontro palavras bonitas ou preciosas para falar dela nem abordar o assunto. Não sou capaz. Continuo muda desde o dia em que ligaram a dar a triste notícia. Nestas alturas, o perto transforma-se no longe e parece que vivemos noutro planeta. Nunca mais chegamos a lado nenhum, nunca mais vemos, nunca mais abraçamos, nunca mais rimos. Nunca mais...
E assim estamos. Tristes, mudas, seráficas. Muito tristes, muito mudas, muito seráficas. Muito.